sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Amar

Procure me amar quando eu menos merecer, porque é quando eu mais preciso.

Falamos à beça de amor. Apesar das nossas singularidades, temos pelo menos esse desejo em comum: queremos amar e ser amados. Amados, de preferência, com o requinte da incondicionalidade. Na celebração das nossas conquistas e na constatação dos nossos fracassos. No apogeu do nosso vigor e no tempo do nosso abatimento. No momento da nossa alegria e no alvorecer da nossa dor. Na prática das nossas virtudes e no embaraço das nossas falhas. 

Mas não é preciso viver muito para percebermos nos nossos gestos e nos alheios que não é assim que costuma acontecer.

Temos facilidade para amar o outro nos seus tempos de harmonia. Quando realiza. Quando progride. Quando sua vida está organizada e seu coração está contente. Quando não há inabilidade alguma na nossa relação. Quando ele não nos desconcerta. Quando não denuncia a nossa própria limitação. A nossa própria confusão. A nossa própria dor. Fácil amar o outro aparentemente pronto. Aparentemente inteiro. Aparentemente estável. Que quando sofre não faz ruído algum.

Fácil amar aqueles que parecem ter criado ao longo da vida um tipo de máscara, que lhes permite ter a mesma cara quando o time ganha e quando o cachorro morre. Fácil amar quem não demonstra experimentar aqueles sentimentos que parecem politicamente incorretos nos outros, embora costumem ser justificáveis em nós. Fácil amar quando somos ouvidos mais do que nos permitimos ouvir. Fácil amar aqueles que vivem noites terríveis, mas na manhã seguinte se apresentam sem olheiras com a maquiagem perfeita ou a barba atualizada.

É fácil amar o outro na mesa de bar, quando o papo é leve o riso é farto e o chope é gelado. Nos cafés, após o cinema, quando se pode filosofar sobre o enredo e as personagens com fluência acompanhados de um bom cappuccino e pão de queijo quentinho. Nos corredores dos shoppings, quando se divide os novos sonhos de consumo, imediato ou futuro. É fácil amar o outro nas férias de verão, no churrasco de domingo, nas festas agendadas no calendário do de vez em quando.

Difícil é amar quando o outro desaba. Quando não acredita em mais nada. E entende tudo errado. E paralisa. E se vitimiza. E perde o charme. O prazo. A identidade. E fala o tempo todo do seu drama com a mesma mágoa. Difícil amar quando o outro fica cada vez mais diferente do que habitualmente ele se mostra ou mais parecido com alguém que não aceitamos que ele esteja. Difícil é permanecer ao seu lado quando parece que todos já foram embora. Quando as cortinas se abrem e ele não vê mais ninguém na plateia. Quando até a própria alma parece haver se retirado.

Difícil é amar quando já não encontramos motivos que justifiquem o nosso amor, acostumados que estamos a achar que o amor precisa estar sempre acompanhado de explicação. Difícil amar quando parece existir somente pesar. Quando a dor do outro é tão intensa que a gente não sabe o que fazer para ajudar. Quando a sombra se revela e a noite se apresenta muito longa. Quando o frio é tão medonho que nem os prazeres mais legítimos oferecem algum calor. Quando ele parece ter desistido principalmente dele próprio.

Difícil é amar quando o outro nos inquieta. Quando os seus medos denunciam os nossos e põem em risco o propósito que muitas vezes alimentamos de não demonstrar fragilidade. Quando a exibição das suas dores expõe de alguma forma também as nossas, sejam as conhecidas ou as anônimas. Quando o seu pedido de ajuda - verbalizado ou não - exige que a gente saia do nosso egoísmo, do nosso sossego, da nossa rigidez, para caminhar ao seu encontro.

Difícil é amar quando o outro repete o filme incontáveis vezes e a gente não aguenta mais a trilha sonora. Quando se enreda nos vícios da forma mais grosseira e caminha pela vida como uma estrela doída que ignora o próprio brilho. Quando se tranca na própria tristeza com o aparente conforto de quem passa um feriadão à beira-mar. Quando sua autoestima chega a um nível tão lastimável que, com sutileza ou não, afasta as pessoas que acreditam nele. Quando parece que nós também estamos incluídos nesse grupo.

Difícil é amar quem não está se amando. Mas esse talvez seja o tempo em que o outro mais precise se sentir amado. Para entender, basta abrirmos os olhos para dentro e lembrar das fases em que, por mais que quiséssemos, também não conseguíamos nos amar. 

Sábio seria lembrar que a empatia pode ser uma grande aliada do amor.

Ana Jácomo

5 comentários:

CLÓVIS JECKILL disse...

-Olá mais uma vez,meu bom amigo de boas palavras e boas fontes.Realmente o amor é mais acessível,quando não há motivos para não tê-lo,pois o presente está harmonizado.Acredito que amar, antes de tudo é um dom que só se desenvolve quando abre caminho diante das situações mais difíceis e implacáveis.Todos nós já passamos por isso alguma vez.Um grande abraço, meu caro gostaria de vê-lo pra conversamos um pouco... Você é uma pessoa muito rica o qual tive o prazer de conhecer e trabalhar por alguns anos.Continue o seu trabalho voluntário em seu blog,pois muitas reflexões partem do VOCÊ ESCREVE !!! CLÓVIS JECKILL !!!

CLÓVIS JECKILL disse...

Olá,meu grande amigo de boas palavras, e boas fontes. Realmente o amor é assim,só é fácil quando o nosso tempo presente está harmonizado.E nesse período é tão forte, que quando a tormenta chega diante de nós,ele enfraquece com a mesma intensidade da força que tinha antes.Fica perdido, e sem saber como abrir caminho diante da tempestade.A dificuldade de amar é tão grande quanto a facilidade quando não há problema algum.É isso mesmo, meu caro... continue com seu "trabalho voluntário" com seus fragmentos,pois muitas reflexões positivas que as pessoas tomam, saem dos textos que VOCÊ ESCREVE,OU PÕE NO AR !!!Gostaria de vê-lo ... e batermos um papo qualquer dia desses "CHEF GOURMET".Um grande abraço de Clóvis Jeckill !!!

Fillipe Mak disse...

Apesar de não ser um texto de autoria própria sua, o fato de que colocastes ele aqui, é pq se identifica, e poderia muito bem ter sido vc o autor dessa obra prima, como várias outras suas que li aqui.
O bicho complicado é o ser humano néh.
Eu particularmente, penso que amo mais do que sou amado, que me doou mais do que recebo. Mas tenho certeza que nas entrelinhas q não consigo ler, mts me amam mais do que mereço.
E quer saber...
Eu amo você tb.
Agora fique com o peso dessa responsabilidade. rsrs

Amplexos!!!

Sal de Andrews disse...

Não vejo como um peso meu irmão, atualmente é tão raro encontrarmos alguém que nos admire e nos ame com a mesma intensidade que dispensamos.

De fato é um texto que gostaria muito de ter escrito porque realmente me identifico demais com ele.

Passei por turbulências e descobri quem estava mesmo comigo nestas horas ... as horas em que me faltava o brilho.

Percebi o quão difícil é estar sozinho nestes momentos em que precisamos de um afago, um ouvido atento e um interesse genuíno.

Amo você também maninho e peço que Jeová nos abençoe sempre.

Amplexos!

Sal de Andrews disse...

Clóvis, meu caro!

Obrigado por me visitar e por seus comentários sempre bem vindos, recheados de coisas boas.

Sinto falta de nossos papos, você também é uma pessoa rica e agradeço sempre o privilégio que a vida nos deu em arranjar este encontro.

Lembranças a família e se cuida meu amigo!