domingo, 6 de junho de 2010

Traumas!

Fala pessoal, belezinha?

Dia desses, voltando de meu trabalho naquele cochila-acorda dentro do ônibus, observei uma cena já vivenciada por mim, num ponto de ônibus no sentido contrário de meu destino. Um casal discutia freneticamente, conseguia ouvir os berros do meu assento, quando ele de repente levantou a mão e bateu no rosto da mulher, ela rapidamente se refez e agarrou-lhe o pescoço com as unhas e a bagunça estava feita. Alguns gritavam revoltados com tamanha ignorância, outros incentivavam o espetáculo público, eu - de minha parte - angustiado!


Somente tentava dimensionar o que se passava na cabeça do pequeno garotinho que estava com eles e que a tudo assistia sem um prévio aviso, provavelmente tinha entre três ou quatro anos.

O farol abriu e o ônibus continuou seu trajeto. Vi-me naquele garoto e tentei imaginar em como ele irá lidar com isso no futuro. Em como isso o afetará. Duas lágrimas venceram a razão e caíram de meus olhos.

Com pleno conhecimento de causa digo que viver sob um estado constante de violência não é algo fácil. O pior é não ter forças suficientes para impedi-la. Nas diversas vezes em que minha mãe era espancada por meu padastro, meu coração ficava minúsculo e eu me sentia a pessoa mais infeliz e incapaz no mundo. Fechava meus olhos e tentava me imaginar invisível! Os abusos mais graves que sofri naquela época foram os psicológicos! Crescemos eu e meus irmãos em meio à violência, bebidas e escândalos. A fatia que cada um recebeu nesta época pode ser observada ainda hoje, infelizmente em cada um.

Minha tristeza se devia ao fato de “ter” que viver com minha mãe, abandonar minha avó que sempre fora meu chão, além da revolta com meu pai biológico que nunca havia me procurado e eu sabia que ele morava próximo.

Mas aprendi ainda nessa época como uma garota chamada Pollyanna, o significado da palavra ressignificação, ou seja, ser capaz de aprender a observar que todas as circunstâncias na vida podem ser compreendidas, por passar a construir em minha mente uma nova forma de encarar o que me acontece, tentando descobrir ou mesmo encontrar um novo significado que me fortaleça e motive, substituindo as conseqüências negativas do significado anterior, que eram o desânimo e o desespero. A idéia não é simplificar situações complexas e sim encarar a complexidade de uma forma mais simples. É assimilar fatos incômodos com equilíbrio emocional e conseqüente ... serenidade. Não é fácil, mas muito necessário!

Bendita Eleanor H. Porter, sim, a escritora do livro que leva o nome Pollyanna. Além de minha avó, as lições de Pollyanna ajudam-me até hoje. O livro, para quem não leu, trata da história de uma menina de onze anos, filha de um missionário pobre, que após ficar órfã, vai morar em outra cidade com uma tia rica, rígida e severa chamada tia Polly, à qual não conhecia previamente.

Pollyanna ensina às pessoas de sua relação na nova comunidade o jogo do contente, que havia aprendido com seu pai no dia em que esperava ganhar uma boneca e recebeu um par de muletinhas. Imediatamente o pai de Pollyanna aplicou o jogo, dizendo a ela para ver somente o lado bom dos acontecimentos — nesse caso, ficar contente porque "não precisaria delas!". E depois desse dia, criou o jogo de procurar em tudo que há ou acontece, alguma coisa que a fazia contente, e ensinava o jogo sempre que encontrava alguém triste, aborrecido ou mal-humorado.

Depois desse livro percebi que podia viver sem tantas exigências comigo mesmo. Afinal, havia coisas que eu realmente não poderia mudar. Minha mãe havia feito a escolha dela e não a culpo, mas passamos por isso desnecessariamente. Jogar o contente é ótimo, mas nem sempre funciona, principalmente nesses dias frios em que parece que a angústia busca nos engolir. Mesmo assim, apesar de tudo, minha recusa em ficar triste e cabisbaixo é freqüente.

Mas, o que será daquele garotinho?

Um comentário:

Unknown disse...

Ótimo texto, gosto da tua maneira de pensar. Mas eu estou em uma outra fase a de não me fazer de contente e sim por para fora certas coisas que engolia para não sofrer ainda mais...
Tuas palavras falam de compaixão e eu acho fantástico que ensinemos isso a nossos filhos. Muito bom mesmo!