A crônica acima de Luiz Fernando sobre a Páscoa é hilariante. Como pôde perceber, foi um diálogo absurdo entre um menino, seu pai e sua mãe, sobre o sentido dessa festa. É digno de nota que a crônica termina com uma observação justíssima do menino. Disse ele:
- "Eu acho que ao invés de "coelho da páscoa" deveria ser "galinha da páscoa ..."
Pois é claro. Todo mundo sabe que coelhos não botam ovos. E todos sabem que galinhas botam ovos! Confesso minha ignorância: não sei como é que o coelho entrou nessa estória. Para início de conversa é preciso lembrar que os textos sagrados não fazem referência alguma a esse animalzinho fofo.
Quem foi que teve a ideia de torná-lo o personagem mais importante dessa celebração cristã?
Certamente um gozador. E para tornar a estória mais absurda, fizeram com que os coelhos, que não botam ovos, botassem ovos de chocolate!
Agora vem cá?!
Nos tempos de Jesus Cristo havia chocolate? Acho que não. Galinhas não são seres poéticos. Na poesia elas sempre aparecem como bichos engraçados, cacarejantes, de inteligência curta, cuja única função é botar ovos e serem transformadas em canja.
Na crônica citada, o embaraço dos pais e a pergunta do menino revelam a confusão que marca essa festa. Ninguém sabe direito o que é que está sendo celebrado. E, para dizer a verdade, acho que são bem poucos aqueles que fazem alguma celebração. Até porque para muitos hoje, Páscoa é fim de semana santa, feriado de três dias, a praia está esperando, hora de se preparar para a viagem ... é como uma casca de cigarra presa no tronco de uma árvore.
Vazia ... morta!
Não tem nada lá dentro. Mas já foi o corpo de um ser vivo que, cansado de ficar preso na casca, criou asas e voou. A Páscoa, com seus ovos de chocolate, é celebração inconsciente de um tempo que não existe mais, tempo em que se acreditava.
Os ovos de chocolate, vocês sabem ... são tão ocos tanto quanto as cascas de cigarra!
Sem dúvida muita gente quando fala de páscoa, só vê ovo de chocolate. Pensam na ressurreição como algo que aconteceu faz muito tempo, num lugar distante. (Impossível. Mortos não ressuscitam.) E pensam em algo que acontecerá de novo num tempo distante, muito longe ... no futuro ( Impossível. Mortos não ressuscitarão.) Mas a poesia não conhece nem o passado e nem o futuro. O passado sobre que a poesia fala é presente na memória e nos sentimentos. O futuro sobre que a poesia fala é presente na esperança.
Assim os poemas da ressurreição falam sempre do presente. A Morte é agora. Nós somos o túmulo. "Quem anda duzentos metros sem vontade anda seguindo o próprio funeral vestindo a própria mortalha...'
Muita gente morreu e não percebeu. Mas a ressurreição pode acontecer também agora.
Rubem Alves (Texto parcial)
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