Sabe, hoje de manhã eu me cortei. Estava fazendo faxina e arrumando a casa e, num descuido, num instante de idiotice momentânea, consegui enfiar a ponta de uma faca na minha mão, bem ali entre os dedos polegar e o indicador da minha mão esquerda.
Sabe, doeu muito, muito mesmo. Na hora, sabe como é, cheguei até a pensar que poderia perder o movimento de um dos dedos, outra idiotice, mas é assim, pelo menos comigo é sempre assim, sempre exagero um pouco mais na hora da dor.
Também ali, naquele momento, a vontade que me deu foi de jogar tudo pra cima, de parar com o que estava fazendo e que se dane. Mas, poxa, se eu parasse, quem iria continuar? A casa estava uma bagunça, estava suja e eu era a única pessoa ali. Era eu ou eu. Se eu não fizesse, ninguém faria por mim.
Sabe, parei um pouco e fiquei segurando o corte com a mão direita, apertando para ajudar a estancar o sangue. Demorou, mas estancou. Latejou muito, mas também passou. Ainda sentindo um pouco de dor, retomei as atividades, organizei e limpei a casa.
Sabe, agora estou aqui com a mão ainda doendo um pouco, mas nada demais. Pode ser que fique uma cicatriz ali onde está o corte, mas pode ser que nem fique, não sei, só o tempo dirá.
Sabe, estava pensando que a vida é assim mesmo. Sem querer, num momento desavisado, a gente se corta. Na hora parece que o mundo vai acabar, a gente não quer fazer mais nada, mas, poxa, se a gente não fizer, quem vai fazer?
Ninguém fará por nós o que é nossa obrigação, ninguém fará por nós o que viemos para fazer, ninguém viverá por nós a nossa vida. O jeito é esperar um pouco até parar de sangrar e retomar.
Logo logo a dor passa, pode ficar uma cicatriz, pode nem ficar, só o tempo dirá.
Sabe ... hoje de manhã eu me cortei, mas já sarou!
Extraído do livro: "Você já escutou o silêncio?" de Alexandre Spinelli